O Vício (Adicção) à Internet


Segue abaixo o meu artigo apresentado no I Congresso de Saúde Mental e Comportamento, em 28 de março de 2015:

Resumo: Este artigo tem por finalidade realizar uma reflexão da forma de uso da internet pelos jovens de acordo com dados e estudos nacionais e internacionais, de forma a contextualizar como a Terapia Cognitiva Comportamental pode orientar os usuários e os responsáveis destes para a melhor utilização da internet como fomentadora de relações sociais e pesquisas educacionais.


Introdução
O Brasil figura internacionalmente como um dos países com altos índices de acesso à internet e a sua utilização tem ocasionado mudanças de hábitos expressivos em seus usuários. As redes sociais e suas novas formas de comunicação estão influenciando as relações sociais, principalmente as dos jovens. Se antes a internet estava restrita aos computadores, hoje ela também está presente em celulares e tablets, sendo possível acessá-la em diversos locais. Se por um lado a difusão da rede propiciou praticidades na área da comunicação, por outro lado é possível observar diversos usuários com dificuldade de se desconectar dela. A dependência dos internautas em se conectar mesmo quando estão em situações podem gerar prejuízos significativos, como durante a explicação do professor na sala de aula ou na execução de atribuições diversas no ambiente profissional, tem desafiado instituições de ensino e empresas. Até onde o uso da internet pode ser benéfico ou maléfico? Este artigo tem como objetivo fazer uma reflexão sobre até quando o internauta pode ser considerado um “viciado” em internet, como prejudica suas relações sociais, os critérios para se estabelecer o diagnóstico de compulsão à internet, como o psicólogo, através da abordagem Terapia Cognitivo-Comportamental, pode atuar no tratamento e como, de forma disciplinada e consciente, o paciente pode se beneficiar da utilização da rede.


 O uso da internet no Brasil
Segundo dados recentes da consultoria de tecnologia eMarketer o país deve fechar 2014 na quarta posição mundial em números de acessos, ultrapassando o Japão, estima-se que existam cerca de 107, 7 milhões de internautas brasileiros (BBC, 2014). Outro levantamento, desta vez realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pela Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (Pnad), a proporção de pessoas que acessam a internet no Brasil só em 2013 corresponderam a 50,1% da população brasileira, ou seja, mais da metade dos brasileiros utilizam a internet. A Pnad, com base em grupos de idade, apontou que entre os jovens brasileiros entre 15 e 17 anos e de 18 a 19 anos são os grupos que mais se conectam a rede global, com índices de 76% e 74,2%, respectivamente (Globo, 2014). Sem a orientação e a supervisão dos pais, os adolescentes podem fazer o mau uso da internet pela facilidade em estabelecer contato com pessoas desconhecidas, acessar conteúdos pornográficos, se expor através de fotos e vídeos íntimos, utilização intensa de redes sociais e jogos online. Mesmo nos jovens que passam pela orientação e supervisão dos pais quanto ao acesso e o contato com pessoas desconhecidas, eles são capazes de consumir grande parte do dia navegando pelas redes sociais e trocando mensagens instantâneas enquanto poderiam estar se dedicando a outras atividades. Segundos dados da Pesquisa de Mídia Brasileira 2015 divulgada no dia 19 de dezembro de 2014, o brasileiro consome quatro horas e 59 minutos por dia durante a semana e quatro horas e 24 minutos por dia durante os finais de semana utilizando a internet (EBC, 2014). Se antes a rede global estava restrita somente ao computador, hoje é possível acessá-la em qualquer lugar pelo celular, seja no ônibus, na mesa durante um jantar e na sala de aula. Os jovens brasileiros que se dizem viciados em internet, os que têm a necessidade psicológica de ficarem conectados durante todo o dia, utilizam quatro aplicativos com a porcentagem do tempo aplicado em cada um deles, segundo o Ibope Inteligência (UOL, 2014): Facebook (89%), WhatsApp (87%), e-mail (80%) e Instagram (63%). A facilidade e a praticidade do acesso pelo aparelho móvel dificultam ainda mais o monitoramento dos pais e responsáveis no conteúdo acessado, nas mensagens trocadas e no controle do tempo online dos jovens.

O computador acaba sendo uma saída vantajosa para os pais eliminarem os perigos dos seus filhos ao brincarem nas ruas e se exporem à violência:
“Questões como as dos novos riscos on-line e do controle ou vigilância parentais, associados aos horizontes e oportunidades cada vez mais abertas da navegação, são frequentemente equacionadas e estudadas. O pânico moral e a preocupação securitária de muitos pais, relativamente à rua e ao espaço público das grandes cidades (insistentemente demonizado pelas mídias como lugar de perigo frequentado por potenciais agressores, desconhecidos e adultos), estarão, de resto, associados ao investimento na aquisição deste tipo de bens. Através de uma oferta doméstica atraente, procuram manter as crianças afastadas da rua e resguardadas em casa, ocupando-as em atividades supostamente seguras e apropriadas à sua idade.” (Almeida, 2009, p: 14).

O que pode passar despercebido pelos pais são as informações dadas pelas próprias crianças e adolescentes nas redes sociais, como instituição de ensino nas quais estudam, fotos, informações pessoais e suas rotinas. Se eles estarão expostos aos perigos da violência ao brincarem nas ruas, praças e demais lugares públicos de recreação infantil e juvenis, por outro lado, na internet, existem aliciadores, pedófilos, sequestradores e jogos com elevado teor de violência. Se os responsáveis não tiverem tempo suficiente para supervisionarem seus filhos nos contatos pessoais e diretos com outras pessoas no simples e tradicional ato de brincar, manter a criança em frente ao computador quando não existe orientação e supervisionamento, não eliminará os riscos da internet e promoverá a disciplina quanto ao tempo que ela deixará de estudar para ficar conectada.

Por intermédio do conteúdo produzido pelos filhos, os pais podem interpretar as emoções ocultadas no contato pessoal com eles e com seus amigos virtuais. No Facebook, por exemplo, tem a opção de publicar como se está se sentindo; triste, muito feliz, abençoado, com raiva, de saco cheio, incomodado, sozinho, mal, deprimido, muito mal e outros mais 111 sentimentos disponíveis, e caso algum sentimento não esteja pré-disponível, é possível criar um personalizado. Os sentimentos como status foram alvo de pesquisadores da Universidade da Califórnia. Através de mais de 1 bilhão de status de mais de 100 milhões de perfis do Facebook, constataram que postagens positivas geram mais postagens positivas, ao passo que as negativas geram mais postagens negativas. A criança que está passando por algum problema que demande intervenção de um psicólogo e for um usuário assíduo da rede social provavelmente vai sinalizar o quanto seus sentimentos estão ruins através do seu status, fotos, músicas e vídeos compartilhados.

Pessoas que passam grande parte do dia diante do computador e deixam de frequentar lugares e estar em contato pessoal com pessoas, sejam conhecidas ou não, perdem a oportunidade de desenvolver suas habilidades sociais. A criança ou o adolescente de considerável nível de timidez, ou seja, aquele que não consegue manter o contato ocular com os olhos do outro ou iniciar um contato verbal com desconhecidos, perderá a oportunidade de fazer amizades com pessoas da mesma idade se os seus pais não incentivarem os relacionamentos pessoais frente aos virtuais. Falar em público, iniciar, manter e encerrar uma conversa e estabelecer contatos com autoridades são algumas das habilidades. Anos mais tarde, quando o adolescente estiver diante de um processo seletivo para ingressar no mercado de trabalho, essas habilidades serão exigidas. Como não é possível aprendê-las da noite para o dia, cabe os pais valorizarem mais a socialização real dos filhos, seja com pessoas da mesma idade, mais novas e de mais idade. No contexto mais próximo do estudante, ter habilidades em socialização consiste, por exemplo, em apresentar trabalhos diante de demais alunos e professores, pedir material escolar emprestado e solicitar durante a aula que o professor explique melhor o assunto não compreendido.

Critérios diagnósticos
Até o presente momento não existe nenhuma nomenclatura relacionada ao “vício” da internet, ou adicção, termo mais apropriado entre os pesquisadores e cientistas, na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID 10) e no DSMV. O que se pode observar é que o jogo patológico se aproxima dos sintomas do indivíduo que deixa de realizar tarefas essenciais do seu dia-a-dia por não conseguir se desconectar da internet. No F60.3 (Jogos Patológicos) do CID 10, o transtorno de quem é viciado em jogos consiste em:

“De frequentes e repetidos episódios de jogo, os quais dominam a vida do indivíduo em detrimento de valores e compromissos sociais, ocupacionais, materiais e familiares. Aqueles que sofrem desse transtorno podem pôr em risco seu trabalho, contrair grandes dívidas e mentir ou violar a lei para obter dinheiro ou evitar o pagamento de suas dívidas. Eles descrevem um ímpeto intenso de jogar, o qual é difícil de controlar, junto com uma preocupação com ideias e imagens do ato de jogar e das circunstâncias que rodeiam o ato. Essas preocupações e ímpetos frequentemente aumentam em períodos nos quais a vida está estressante.” (Organização Mundial de Saúde; trad. Dorgival Caetano, 1993, p. 207).

Se em tempos anteriores os Jogos Patológicos estavam em evidência pela sua praticidade e acessibilidade como entretenimento, hoje a internet ocupou o seu espaço. Não é difícil se deparar com relatos de pessoas que não conseguem deixar de usar o Facebook ou WhatsApp no ambiente de trabalho e na escola, mesmo sob o risco de ser chamado a atenção pelo chefe ou pelo professor, o que aproxima muito do jogador que sua vontade de jogar é tamanha que fica difícil não resistir ao jogo. Possivelmente o internauta com adicção que por eventual motivo não esteja conectado, tende a pensar como seria se estivesse online e o que está deixando de vivenciar no contexto virtual daquele momento, o que eleva a sua ansiedade e potencializa a sua necessidade de se conectar e colocando-o em prejuízo no âmbito escolar, profissional, social e saúde, como o hábito alimentar e a postura da coluna vertebral, por passar horas interruptas diante do computador. Por isso, para que a adicção da internet seja considerada compulsiva e consequentemente patológica é necessário ter inevitavelmente algum prejuízo social e/ou ocupacional.

Com a proposta de melhor estabelecer critérios para diagnosticar a compulsão à internet, a doutora da Universidade de Pittsburg e criadora do Center for On-Line Direction, Kimberly Young, estabelece oito critérios diagnósticos para a adicção à internet, são eles:

1. - A pessoa se sente preocupada com Internet, pensa sobre a atividade on-line anterior o antecipa a sessão on-line futura.
2. - A pessoa se sente a necessidade de usar Internet durante cada vez mais tempo para obter a mesma satisfação.
3. - Tem feito repetidos esforços infrutíferos para controlar, reduzir, ou deter o uso de Internet.
4. - A pessoa se sente inquieta, mal-humorada, deprimida ou irritada quando tenta reduzir ou parar com o uso de Internet
5. - Fica conectada mais tempo do que havia planejado originalmente.
6. - Por causa do uso de Internet excessivo a pessoa tem sofrido perda de alguma relação significativa, como por exemplo, o trabalho, a educação ou nas oportunidades sociais.
7 - Tem mentido aos membros da família, terapeutas ou outros para ocultar tamanho de seu uso de Internet?
8. - Usa Internet como uma maneira de evadir-se dos problemas ou de ocultar algum tipo de mal estar, tais como, por exemplo, ocultar sentimentos de impotência, culpa, ansiedade, depressão, etc.

Estes critérios ressaltam o descontrole dos impulsos para o controle do acesso à internet, assim como os prejuízos que o uso descontrolado da rede traz para a vida do sujeito, como no trabalho, instituição de ensino e nas relações sociais.

A Terapia Cognitiva Comportamental
A Terapia Cognitiva Comportamental (TCC) pode trabalhar a adicção à internet com a reestruturação dos pensamentos automáticos, sentimentos e comportamentos do sujeito, com a técnica de Registro de Pensamentos Automáticos (RPD). Desta forma, o psicoterapeuta pode ter conhecimento da configuração cognitiva e comportamental do seu paciente/cliente no momento em que este está utilizando a internet de modo prejudicial.
Data/ Hora
Situação
Pensamentos
Automáticos
Emoções
Respostas
Adaptativas
Resultados
09/02
Sala de aula
Preciso saber o que está acontecendo em meu Facebook.
Tenho que verificar se recebi mensagens.
Ansiedade (85%)
Tristeza
(15%)

O conteúdo da aula é mais importante do que o que penso estar acontecendo no Facebook.

Posso me conectar após o término na aula.

Ansiedade
(45%)
Tristeza
(0%)


Neste caso, o internauta que tem prejuízos escolares em decorrência da má utilização da rede identificou os pensamentos a respeito da internet enquanto estava em sala de aula, juntamente com os sentimentos (Ansiedade e Tristeza), e, através do Registro de Pensamentos Automáticos, realizou respostas adaptativas a estes pensamentos, conseguindo obter a diminuição dos níveis de Ansiedade e Tristeza, proporcionando mais bem estar e conforto ao sujeito nessa situação específica.

Com base na proposta de reestruturação cognitiva e comportamental e na criatividade do profissional de Psicologia, a TCC oferece uma ampla variedade de técnicas que podem ser utilizadas em caso de adicção à internet. Além da RPD, pode ser destacado a descrição de quantas horas diárias são consumidas ao longo da semana enquanto se está on-line e o que poderia ser realizado no mesmo período em termos de níveis de satisfação e realização. Também pode ser sugerido o investimento de contatos sociais fora das redes sociais, como iniciar uma amizade pessoalmente e reunir os amigos, e ainda um estabelecimento de tempo a ser disponibilizado para o entretenimento na internet em face do período dedicado exclusivamente aos estudos ou demais prioridades.

Enquanto o uso da internet de forma desenfreada acarreta em diversos prejuízos, por outro lado ela pode ser benéfica, conforme a pesquisada divulgada no dia 15 de janeiro de 2015, que contou com 1.801 norte-americanos e consistiu no monitoramento do estresse dos internautas. Umas das conclusões foram a de que entre as mulheres, os níveis de estresse são 21 por cento mais baixos para aqueles que usam Twitter várias vezes ao dia, enviam ou recebem 25 e-mails por dia, e compartilham duas fotos digitais diariamente (Reuters, 2015). A internet também pode ser considerada como uma ferramenta para ampliação e estreitamento das relações sociais, através de trocas de mensagens, aplicativos e sites que oferecem serviços para o estabelecimento de contatos com usuários que possuem preferências em comum, como o WhatsApp, Tinder, Par Perfeito, Chat UOL, entre outros.  No caso de um paciente com depressão, a internet pode ajudá-lo a se aproximar dos parentes, amigos e ainda ser a intermediadora para que algum encontro ou evento seja combinado. Em pessoas com baixo autoestima por estarem desempregadas, a procura por empregos poderá ser realizada em anúncios de sites específicos do mercado de trabalho e envio de currículos por e-mails. A rede oferece diversas vantagens quando se trata do uso com disciplina e consciência, ou seja, quando o usuário estabelece o que pretende fazer, o tempo planejado para ser consumido e quando a navegação consegue ser interrompida no tempo estabelecido, mesmo quando não se consegue cumprir todas as atividades anteriormente planejadas.

Quanto às pesquisas e o acesso de conteúdos de pesquisa escolar, a internet se destaca por oferecer gratuitamente um extenso e crescente acervo em sites específicos com o tema pesquisado, livros digitais e vídeos, o que nem se compara aos tempos em que a pesquisa estava restrita a livros disponíveis em bibliotecas públicas e privadas, muitas das vezes distantes e inacessíveis em muitos municípios do Brasil.

Conclusão
A internet modificou hábitos dos seus usuários em todo o mundo. Através dela é possível ter acesso a inúmeras ferramentas e aplicativos, definindo o objetivo de sua utilização. A rede social e as trocas de mensagens são os recursos mais utilizados, especialmente quando se trata de crianças e adolescentes, de forma que os jovens passam mais tempo na internet pelo entretenimento do que em busca do enriquecimento intelectual. Os índices divulgados em diversos estudos e pesquisas realizados no Brasil e em demais países do mundo apontam que o uso da internet está cada vez mais voltado para as redes sociais e ao entretenimento, propiciando uma reflexão de como sua utilização pode influenciar as habilidades sociais, principalmente as dos jovens, os maiores utilizadores do Facebook e demais serviços do gênero. O diagnóstico da adicção à internet, mesmo sem estar definido na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, se assemelha com o transtorno dos Jogos Patológicos, muito mais presente em tempos anteriores como uma forma de entretenimento acessível, mas que perdeu a sua posição para a internet.  Em tempos atuais e futuros, o vício à internet e os prejuízos da sua má utilização deverão ser cada vez mais estudados e divulgados, de forma a aprimorar, nestes casos, os recursos da Psicologia voltados ao tratamento clínico. Apesar do Brasil se destacar em quarto lugar como o país que mais acessam à internet, existe carências de estudos brasileiros específicos para a Psicologia, frente ao que é estudado e pesquisado nos Estados Unidos e demais países de elevados índices de acesso à rede, ao se tratar de um tema de expressiva importância e evidência, mesmo sendo observado através dos relatórios quanto ao tempo e a forma como as crianças e jovens utilizam a rede, os relatos dos pais, as consequências nos resultados escolares e ao empobrecimento das habilidades sociais e as demandas nos consultórios de Psicologia. 



Referências 







7http://pt.wikihow.com/Aprimorar-as-Habilidades-Sociais (acessado em 3 de janeiro de 2015)

 

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